2008/12/02

Von Juntz (parte III)

(Texto publicado n'Os Armênios em 2/12/2008)

Baseado na obra A herança do divino, do escritor Leonardo Nunes Nunes. Que Deus queira bem sua alma, caro amigo, pois Cthulhu não a querá!

(O texto abaixo pode conter situações e expressões não adequadas para menores de idade ou pessoas de estômago fraco. Proceda com cautela)

Parte três

Naquela noite, desfrutei de um sono inquieto, em que eu sonhava. No sonho, eu estava deitado em uma cama muito mais luxuosa que a minha, mas não podia ver o resto do quarto, pois mãos virtuosas e pesadas me seguravam pelo pescoço, fazendo com que eu sufocasse. Meus próprios braços tentavam, em vão e meio contrariados, afastar de meu corpo aqueles membros violentos (e que membros!). Eu, confuso com as visões, ainda mais porque, naquele mundo onírico, meus braços possuíam uma brancura e uma delicadeza que nunca havia visto antes. Misturada à minha confusão estava um forte desejo de vingança que não conseguia explicar. A expressão furiosa do homem que tentava tirar minha vida era difusa. Depois que acordei, totalmente excitado suado, não conseguia lembrar com exatidão de sua face, cuja mera lembrança serviu para assustar-me por pelo menos uma semana.

Passei desde então a observar meu comportamento mais atentamente, o que gerou resultados controversos porque, como bem sabes, uma pessoa tende as fazer as coisas de forma que pensa ser natural quando está sendo observada, ainda que por si mesma. Por vigiar meu comportamento, retomei alguns hábitos antigos, o que me deixou com certa ilusão de falsidade quanto a mim mesmo.

Um dia, dirigi-me à videolocadora de filmes, pois fui informado, por telefonema, no dia anterior, que haviam recebido as cópias de um DVD que há certo tempo aguardava, intitulado "A última noiva de Satã", o qual tratamos na carta anterior, onde lhe enviei em anexo a resenha e a sinopse do filme, acompanhados de uma crítica especializada e do ensaio onde demonstro ser esse filme uma obra prima do cinema que deveria ser indicada ao Oscar. Retornei para casa em tempo mais demorado que o normal, pois enquanto relembrava das cenas que vi no cinema parei de vigiar-me, ao passo que, quando me dei por conta, admirava, em uma loja de roupas, as novidades das coleções para a próxima estação.

Assisti ao filme pouco depois, sem maiores problemas. Porém, no auge da cena onde o caçador de vampiros encontra-se, dentro da tumba da múmia, com o cadáver daquela que, em outra vida, fora casada com o demônio em pessoa, senti-me dominado por um impulso bestial. Minha mão, como por reflexo, pausou o filme no exato momento em que a câmera enquadra o rosto do caçador, vestido como um lorde inglês do século XVIII. Impulsionei-me para perto da televisão, abraçando-a. Meus lábios tocaram a tela no ponto onde se encontravam os do ator e o beijou apaixonadamente. Perdido em um transe hipnótico, só vim a despertar quando ouvi, de minha própria voz, em tom apaixonado, o sussurro de um nome que me acompanhou por anos na vida: Robert H.

Corri até a biblioteca no mesmo instante, tomado de medo de mim mesmo mas, por ser tarde da noite, encontrei-a fechada. Retornei no outro dia e, uma vez lá dentro, corri até a seção do Oculto em busca do Unnaussprechlichen Kulten, mas este já estava emprestado, devendo retornar no dia seguinte. Pelo terceiro dia consecutivo retornei à biblioteca, quando recebi uma multa por ter corrido dentro de suas dependências de salto alto no dia anterior. Encontrei o livro e anotei o nome da editora. Voltei para casa e liguei para lá, em busca de uma forma de entrar em contato com Von Juntz. Apesar de várias tratativas e uma tentativa de sedução, não obtive resultados.

Entrei em uma crise de choro que durou aproximadamente uma semana e que só se amenizou quando minha mãe me levou para passear no shopping (onde estabeleci uma rotina de visitas semanais) e foi durante uma delas que encontrei, na entrada do auditório, um cartaz anunciando uma palestra sobre o Oculto, na qual o palestrante seria Von Juntz. Fiquei tão feliz que no exato momento derrubei as três sacolas de compras que havia feito.

(continua...)


Von Juntz
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