2007/10/31

Grandes aventuras de jvk – O Sábio do Ovomaltine

Esta é uma história dos tempos em que eu morava em Porto Alegre. Poucos sabem, mas eu costumava aproveitar o tempo livre (leia-se: feriados) para viajar pela região, visto as facilidades de transporte que a rodoviária nos dispõe. A história da primeira dessas viagens, a qual costumo me referir pelo nome “Capítulos de Iluminação”, ainda está para ser contada. A verdadeira Iluminação, por outro lado, me foi apresentada como um relampejo em outra dessas incursões a lugares inexatos, que muitos já devem ter ouvido falar mas pensaram se tratar apenas de uma lenda.

E foi justamente em uma lenda que travei meu primeiro contato com o Sábio do Ovomaltine, uma figura lendária que aparecia nos sonhos dos balconistas de lojas de fast food e os demonstrava, porém sem jamais ensinar, a verdadeira essência do milk-shake. Não importa como a história chegou aos meus ouvidos e sim que ela me despertou o interesse desde o primeiro momento. A parte mais difícil, entretanto, foi descobrir o paradeiro de tal personalidade, o que me rendeu várias incursões às sedes administrativas das lojas, entrevistas com pessoas que afirmam ter visto o sábio e outros truques um pouco menos ortodoxos envolvendo pessoas provenientes de países da América Central.

Ao final de meses de pesquisa, tudo o que eu possuía nas mãos era um punhado de relatos, mas nenhuma evidência concreta. As pessoas com quem eu tinha conversado só concordavam em um ponto crucial, o que me deu a indicação. Após duas viagens erradas de ônibus, cheguei a uma pequena cidade no sopé das montanhas, em um local do estado que jurei nunca revelar. A cidade era calma e sem muitos atrativos, pelo que me contou um morador.

O único fato relevante que consegui descobrir foi que, em certas épocas do ano (mais especificamente no início do verão), muitos turistas apareciam do nada, para encher a única hospedaria existente e desaparecer no dia seguinte para nunca mais voltarem, com uma cara de raiva e desapontamento que nunca se viu antes. O prefeito da cidade, há alguns anos, oficializou a prática com o nome de festival do “vamos rir da cara desses otários”, na qual os cidadãos se reúnem na saída da cidade para, como já era de se esperar, rir da cara dos turistas. O taberneiro, que me contou esta história, lamentou o fato de eu estar seis meses adiantado para a ocasião.

Conhecendo a estranha história, resolvi não me hospedar na hospedaria. Arrumei minhas coisas e fui direto para... o supermercado, pois era de minha crença que o lendário Sábio do Ovomaltine, onde quer que ele se escondesse, descia ao mundo dos mortais para comprar um pouco do produto para usar em suas receitas mirabolantes. No único mercadinho, fui recebido com educação pelo gerente, que explicou que eles não vendiam o Ovomaltine em suas prateleiras. Ao perceber minha cara perplexa, o vendedor explicou: “recebemos apenas um carregamento por ano, e todo ele é levado por um velho eremita que mora nas montanhas”. Enfim, uma luz surgiu no meu caminho: estava na pista certa. Por sorte, me explicou o vendedor, o carregamento tinha acabado de chegar e logo o eremita apareceria para buscá-lo.

Apenas algumas horas me separaram do encontro com o homem. Ele surgiu, vestido com roupas um tanto rabugentas, vestindo um chapéu de palha e carregando nas costas uma mochila grande, na qual colocou os pacotes do pó de chocolate, e nas mãos um cajado que usava como bengala, que chamou a minha atenção por aparentar ser um tanto conservado demais para servir meramente de apoio. Assim que terminou o carregamento, partiu.

Eu o segui pela estrada afora, até os limites da cidade. O mais estranho é que ele sabia que estava sendo seguido e eu sabia disso. O que me intrigava, na realidade, era o fato dele não se virar e me mandar seguir o meu caminho, ou algo do gênero. No fundo, eu sabia que estava sendo levado para uma armadilha da qual eu não poderia – e nessas alturas nem desejava – escapar. O velho, repentinamente, saiu da estrada e seguiu por uma trilha alternativa para dentro do mato. Eu também entrei na mata, por onde várias vezes quase o perdi de vista. Uma hora, percebi que ele, na verdade, percebia quando eu ficava para trás e parava para me esperar.

Após um tempo, cheguei a uma clareira, onde o velho me esperava sentado e virado para mim. No momento em que nossos olhos se cruzaram, eu entendi tudo. Ele se levantou, e tirou a mochila onde guardava o Ovomaltine. Eu fiz o mesmo com a minha. Ele pegou o cajado e revelou o segredo que eu já desde o início suspeitava: o objeto era, na verdade, uma shikomizue, uma espada disfarçada. O Sábio me desafiava para um duelo. Saquei a minha espada também e avancei. Foi uma luta difícil, ainda mais porque o desgraçado dominava as lendárias técnicas do Chocolate. Após mais ou menos meia hora de luta, finalmente caí no chão, exausto e com os lábios borrados de preto.

“É a primeira vez que alguém me encurrala desta forma em uma luta”, disse o Sábio, com uma voz calma que não condizia em absoluto com alguém que acabava de empunhar uma espada. Olhei em seu rosto e percebi que nem uma gota de suor havia escorrido. Então aquiesci: estava diante de um verdadeiro mestre.

O Sábio me levou até uma cabana perdida nas montanhas, longe de qualquer trilha ou ponto de referência. O lugar era simples e não possuía muitos confortos. Ele me deitou em um colchão velho e se retirou. As feridas ainda me doíam e o gosto de chocolate já começava a sumir quando ele retornou com um copo de 700mL e me ofereceu. Foi daquele copo que bebi o mais perfeito milk-shake de Ovomaltine que já provara até então. O sabor era tão refrescante que minhas feridas logo desapareceram. Ao perceber que eu já me sentia melhor, o Sábio me disse “eu sou o lendário Sábio do Ovomaltine. No início do inverno, eu parto em retiro para as montanhas na tentativa de preparar o lendário Ovomaltine Perfeito, a bebida que um dia mudará o mundo. Você, como única pessoa a me alcançar neste lugar, terá o direito de ser meu discípulo”.

Por três dias, o Sábio do Ovomaltine me ensinou as técnicas de preparação da bebida lendária, as quantidades dos ingredientes, o tempo de preparação, os cuidados na hora de servir. Durante esse tempo, dominei 27 técnicas diferentes de preparação, além de lições sobre o caminho da espada e outros conselhos sobre a Vida, o Universo e Tudo Mais que o Sábio me passou.

Este é um dos conselhos que ele me passou e que julgo importante passar adiante: “A primavera tem as novas folhas crescendo nas árvores, o verão tem aquela bola amarela desgraçada, o outono tem o início do frio e o inverno possui esse frio que congela os pampas. Bastam essas coisas simples para que o Ovomaltine seja delicioso. Se, mesmo assim, o gosto do Ovomaltine não for bom, então quer dizer que há algo errado dentro de você.”.

No final do treinamento, deixei meu mestre e as montanhas e retornei para a vida cotidiana da cidade grande, sem jamais esquecer os ensinamentos. Quando empacotei meus equipamentos e ele me guiou até uma trilha, onde eu poderia retornar à civilização, o Sábio me deu um último conselho: “O Ovomaltine é uma bebida sagrada que serve para apaziguar o espírito, logo, jamais deve ser utilizada para os maus propósitos”.

Seguindo a risca esse mandamento, apenas uma vez julguei correto revelar não todo, mas uma parte do segredo que envolve a preparação do milk-shake de Ovomaltine. A pessoa que recebeu o ensinamento, no dia seguinte, me disse:

- Valeu, Kurtz! Graças a tua receita consegui comer um cu!

3 comentários:

Robson Rotten disse...

Ovoleite ;D~~~~~~~~~~

Anônimo disse...

Kurtz, só tu né?! De onde tira essa coisas??? Sr. da mente efervescente... Beijocas

Cassiano Bühler disse...

Bem, comer um cu pode ser realmente um propósito nobre. No mais, clap, clap, clap!

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