2007/09/22

Nesse pântano não tem perereca!

Foto: João Vicente Kurtz/MBB
Se para você isto é apenas uma escadaria, leia com urgência a página dois do Cadafalso #19!

Texto escrito com exclusividade (!) para o Cadafalso. Aqui vai o clipping.


Havia, em algum lugar dos pampas do nosso Rio Grande, uma cidade que, assim, não chegava, para ser bem sincero, a ter quase 190 mil habitantes, mas a cifra se aproximava. Esta cidade, cujo nome não convém revelar por motivos um tanto, digamos, burlescos, possuía, como qualquer outra, casas onde um homem pode passar a noite bem acompanhado (ou não) sem ter que se preocupar com atentados contra sua privacidade. Desde que, claro, observe as regras do bom senso e se lembre de pagar muito bem a sua acompanhante pelo silêncio. E isso vale para todo mundo, seja um figurão ou um miserável. A diferença é que se o primeiro não pagar para o parceiro, pode subornar a mídia depois para abafar o caso e não sair mal na fita. Já para salvar o casamento, se a mulher ficar sabendo do ocorrido, bem, a história daí é outra. Perdeu, playboy!

Em uma noite típica de verão, aquelas em que você só pensa mesmo em sentar na grama e ficar olhando para o céu estrelado sem ter que se preocupar com coisas triviais como a vida, o universo e todo resto, uma atendente de uma dessas casas de pouso, conhecidas popularmente como motel, fazia justamente isso: apoiada na janela do guichê, mirava o céu e esvaziava a mente, pensando apenas no dia seguinte quando, com a namorada, passearia por entre cenários de um sonho particular que só elas duas conseguiram sonhar. O amor é lindo.

Acontece que este relaxar solitário e quase que pornográfico foi interrompido por um carro que passava pela estrada, nas saídas da cidade. Ela não se surpreendeu por ser um carro amarelo, um tanto mais caro que o de clientes regulares do curioso estabelecimento; tampouco por ver, dentro das janelas, uma das personalidades mais influentes da cidade, este já era figurinha carimbada. O fator que causou maior impacto para a atendente foi perceber, pela primeira vez desde que começara naquele emprego, a presença de um homem ao lado do figurão. Este homem, ela não pode deixar de observar, não se vestia de homem, era mais um dos travestis que faziam ponto no outro lado da avenida, perto de uma escola primária. Da mesma forma que fora ensinada pelo patrão, nada comentou, porém fez muita força para não rir descontrolada e diabolicamente. Apenas teve certeza de uma coisa: no outro dia ia contar para suas amigas.

O carro do figurão se dirigiu ao quarto mais caro e chique daquele tal de motel. Por lá, o casal fez peripécias inimagináveis e proibidas para menores de 18 anos a noite inteira. Por sorte, ninguém ocupou os quartos vizinhos. Houvesse movimentação, a pessoa que lá estava certamente ouviria gritos horrendos e ficaria 3,14 dias sem dormir (nem mais, nem menos).

Amanheceu. A atendente não agüentava mais aquele guichê e aquela janela. O sol, aquela bola amarela desgraçada, já brilhava intensamente no céu, fodendo qualquer tentativa desesperada de aproveitar o resto da noite para iniciar uma boa noite de sono. Da personalidade, nem lembrava mais; só queria ir para casa. Olhou ao redor e viu todos aqueles quartos cheios de camas, onde ela poderia relaxar o sono dos trabalhadores, que certamente lhe causaria demissão se fosse pega lá dentro em horário de expediente. Todos aqueles quartos, aqueles quartos com camas, ao fundo, aqueles gritos histéricos... “Gritos?”, pensou assustada, e foi até lá para ver do que se tratava.

Na porta do quarto, a personalidade secreta tentava se desvencilhar do bizarro amante, que por sua vez gritava com uma voz mais grossa que a do presidente, certamente inadequada para uma mulher daquele porte, se aquela fosse uma mulher daquele porte.

A atendente acompanhou o embuste por alguns minutos, ainda ocultada pela raiva entre os dois recém-amados. O motivo da discussão era algo extremamente banal e comum, mas que todo homem que recorre aos encantos da putaria já encarou mais cedo ou – provavelmente – mais tarde: a hora do pagamento. O figurão, embriagado não só pelo álcool como também por seu bolso, se recusava a fornecer ao homem afeminado a quantia combinada.

- Chama a polícia, minha filha! – Gritou o travesti, que finalmente percebeu a atendente pasma ao seu lado.

Ela correu até o guichê e, assustada, pegou o telefone e discou para o 911, pois fora criada assistindo seriados americanos. Demorou umas duas chamadas não-concluídas para se tocar que o número correto era 190. Gaguejou duas vezes, ou melhor, três vezes até conseguir explicar aos policiais o que estava acontecendo. Embalados pela singularidade do caso, apareceram em tempo recorde e três viaturas lotadas.

Cercaram os dois homens, ou melhor, o homem e o travesti, já de cassetete em punho preparados para meter o terror. O travesti avançou em cima dos policiais, gritando em alto e bom tom:

- Esse desgraçado não quer me pagar! – exclamava histérica.

Os policiais não tiveram dúvidas e perguntaram à personalidade o que diabos estava acontecendo naquela porra de lugar. O figurão tentou escapar da vergonha recorrendo à desculpa mais esfarrapada possível:

- Mas eu não sabia que era um homem!

O travesti, indignado, retrucou:

- Como não, se comi teu cu a noite inteira?

4 comentários:

Anônimo disse...

Mazá Kurtz! Cronista da vida amorosa da high society passofundense. Hahaha
Ironiazinha fina a do teu texto... Muito bom!

Poeta Passo Fundo disse...

Gostei do teu conto. Tá pegando o jeito de escrever ficção. Afinal aprender escrever se aprende...escrevendo.
E aí,quando é que vamos formar aquele grupo. Não esquece do cara aqui. Tô cansado de ser uma voz que clama no deserto.
Abraço

Unknown disse...

Passo Fundo é um ovo de codorna mesmo. Podre.

Unknown disse...

Demente.

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