2010/02/10

A bruxa do Bosque das Camélias (um conto jvk de natal)

P.S. Este é um conto de ficção científica e deve ser lido como tal. Proceda sob seu próprio risco!

Marcos acordou tarde no último dia do ano. Eram duas horas da tarde e o sol se preparava para se pôr em Londres. Assustado, pulou da cama e vestiu a primeira roupa que encontrou. Só teve tempo de pegar carteira, chaves e celular antes de sair na rua.

Não era um dia frio na capital britânica, mas Marcos vestiu pouca roupa e tremia a cada rajada de vento. Ele deixou o pequeno flat em que morava e caminhou na neve até a estação de Hammersmith. Enquanto descia as enormes escadas rolantes até a plataforma do metrô, ele revisou seu roteiro no dia: faria compras de natal (atrasadas, como sempre) em Picadilly Circus, depois pegaria a linha Bakerloo até Baker Street, onde sua tia – única parente dele na Inglaterra – residia.

Marcos sempre achou engraçado a tia morar perto do museu de Sherlock Holmes, cujas histórias ele sempre apreciara quando pequeno, mas hoje a relação não surgiu e ele não riu da própria brincadeira.

Sua mente estava presa em outros pensamentos. Enquanto via os pilares dos túneis passando em meio à escuridão, ele se lembrava dos eventos ocorridos nos últimos dias: a viagem, o retorno antecipado, o som alto das molas do colchão e a discussão no apartamento, agora habitado por apenas uma pessoa. Ele não viu quem se sentou ao seu lado ou a sua frente, tampouco o número de estações que passavam. Talvez por isso ele tenha se enganado, pois desceu três paradas antes, em Knightsbridge.

Marcos já havia saído da estação quando percebeu o engano. Grande ironia – pensou – ser Knighsbridge. Decidiu aproveitar e caminhar pela rua Brompton, passando por algumas das lojas de roupas famosas, cujas vitrines ela já conhecia de cor, visto ter passado tantas vezes por ali. Novamente perdido em pensamentos, ele nem percebeu quando entrou no Hyde Park.

- Malditas pernas! – esbravejou consigo mesmo em tom machadiano – Podem ser úteis para nos levar de lá para cá e também nos salvam quando a mente se perde em pensamentos, mas são essas mesmas pernas demoníacas que nos pregam peças como essa, nos levando para lugares que a mente quer esquecer!

Uma pequena disputa interna ocorreu em seu interior, mas Marcos sabia que a batalha estava perdida. Cedeu aos seus impulsos internos e sentou em um banco obscuro, jogado em um lugar pouco freqüentado. Assim como a praça, era o mesmo banco de sempre. As flores sido engolidas pela neve, mas ele sabia que por baixo daquela camada, elas continuavam existindo e voltariam a se mostrar com todo o esplendor de sua beleza tão logo o verão chegasse, encantando a todos com o mesmo jardim da estação passada.

Era a primeira vez que Marcos vinha ao Hyde Park nos últimos meses. A primeira vez sozinho – completou. Não suportando mais a dor que as lembranças lhe traziam, se levantou e caminhou de volta para a estação. Era a última vez por algum tempo que visitaria Knightsbridge, decidiu. Enquanto fazia o trajeto de volta, achou conveniente honrar sua decisão com uma última xícara de café. E para ter certeza que superaria sua tristeza, que venceria a solidão, iria ao lugar que sempre ia – o bar favorito dela.

Com as mãos no interior do sobretudo, quase vencido pelo frio, passou pelo arco que dava acesso ao agora desativado jardim de verão. Estancou: seus olhos, adiantados, olhavam agora a face dela sentada em uma mesa. Nenhum dia em Londres foi tão gelado para Marcos quanto naquele momento. Ele não se importou tanto em ver ela ali, tampouco o fato dela estar acompanhada de um homem diferente do qual ele encontrou no apartamento. Não. A desgraçada sorria e isso criou em Marcos um turbilhão de emoções que pouco a pouco ia se transformando em um sentimento claro.

Por um instante, um ínfimo instante apenas, ele entendeu. O ano ao lado dela, uma de suas lembranças mais preciosas, havia se transformado em uma navalha que certamente o perseguiria pelo resto de sua vida. Decidido a acabar com a dor, Marcos tomou a única ação possível. Ele se virou de costas e caminhou umas duas quadras, até o ponto onde o tráfego era mais intenso. Não pensou duas vezes – e a dor latejante em seu peito não o deixaria se quisesse –, fechou os olhos e se atirou na via no exato instante em que um ônibus passava em uma velocidade média de 30km/h.

O corpo de Marcos se chocou no chão e ele só ouviu o som súbito da freada, seguido de gritos e sons típicos de um acidente. Ele ficou parado por um instante, quando decidiu finalmente ver o que tinha acontecido. O cenário a sua volta era de caos e pessoas que passavam pelo local teriam dificuldade em recontar os fatos. Como um homem que tropeça na calçada, o ônibus havia se inclinado nas rodas da frente, voando por cima de Marcos e completando duas piruetas perfeitas no ar antes de cair de ponta-cabeça na estrada. O impacto foi tão forte que os cinco passageiros do andar superior do veículo não sobreviveram.

Marcos, por sua vez, se levantou assustado, dando passos para trás, atônito. Em sua tristeza, havia esquecido da noite em que eles completaram o primeiro ano de namoro. Seu presente para ela fora um anel de brilhantes, que ele economizara durante meses para poder comprar. A retribuição foi algo que ele não podia imaginar.

Ela era proveniente de uma família tradicional de Bruxas do Bosque das Camélias, uma antiga linhagem celta, e havia levado-o para o interior de um mato nas proximidades, onde praticou um ritual secreto que lhe daria uma habilidade especial, superior ao de um homem comum.

Naquele momento, Marcos se lembrou: ele possuía o poder de nunca ser atropelado.

3 comentários:

Fer C. disse...

Preciso do contato de uma dessas bruxas URGENTEMENTE! Elas aceitam encomendas?
Adorei o texto João!!!!!!!

Sikora disse...

Disparado o melhor texto teu. Bom, o lado romance em pessoa + infamidade apreciou ele de fato. Grande Kurtz. o/

Tuam disse...

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