2007/01/29

A mulher que lê

Não era profundo apreciador da arte. Por exemplo, não saberia diferenciar um Rembrant de um Shakespeare, tamanha sua ignorância. Destarte, não podia precisar exatamete qual impulso o fez entrar no museu de arte moderna.

Dirigido por um caminho aleatório, mas que talvez estivesse, desde o início, determinado, Leonardo (pois esse era seu nome) percorreu corredores e mais corredores, entrando em contato com a exposição de arte pós-moderna que o folder anunciava. Diversas obras envolvendo sons, cores, luzes e imagens se alternavam sem, entretanto, despertar nele uma única mudança na sua expressão. Em sua mente, desfilavam idéias desconexas sobre problemas de cunho material.

Em uma ala mais afastada, quase escondida, Leonardo parou, atônito. A exposição em questão se resumia a um video, de uns dois minutos só. Na tela, uma mulher aparecia deitada em uma cama, de costas para cima. A câmera, posicionada de forma diagonal, altura mais baixa que a cama, focava em sua face. Lia alguma coisa, mas o close mal permitia ver as páginas sendo foleadas. Durante toda a exibição do video, em só uma ocasião a mão podia ser vista. Quando o filme terminava, instantaneamente reiniciava.

Leonardo não soube dizer quanto tempo ficou parado, vendo tal vídeo. Sabia apenas que passaram-se horas até que o segurança aproximou-se dele e pediu para que ele se retirasse, pois o museu estava fechando. Leonardo foi para casa perplexo e passou a noite pensando na mulher do vídeo, sem conseguir dormir. No dia seguinte, voltou ao museu.

Depois de horas de admiração plena, Leonardo já podia precisar os mais diversos nuances que a mulher, centrada em sua introspecção, exibia. Ele viu seu rosto feliz, triste, sério, preocupado, descontraído. Para Leonardo não restara mais dúvidas: amava aquela mulher desconhecida.

Uma semana se passou na qual Leonardo, em sua fixação de apaixonado, seguia todos os dias para o museu, admirando mais e mais a mulher desconhecida. Uma tarde, perdido em contemplação, foi surpreendido pelo segurança do museu:

- Sabia que hoje é o último dia dessa exposição?

Desastre. Leonardo entrou em pânico. Agarrou o homem desesperado, perguntando como era possível. O segurança explicou o óbvio: exposições são, por definição, temporárias. Leonardo ainda insistiu, mas foi em vão. Usou o resto do dia para contemplar, pela última vez, a mulher que amava. Ainda assim voltou no dia seguinte, na esperança de encontrá-la, mais uma vez. Encontrou uma exposição sobre arte GLTS e no lugar do vídeo uma escultura em tamanho real de dois homens se beijando. Saiu de lá enojado e entrou na secretaria.

Tanto insistiu que conseguiu, com muito esforço, uma cópia do vídeo. Passou uma semana inteira em casa, vendo a mulher nas mesmas posições que ele, a essa altura, já tinha decorado. Seu amor por ela crescia cada vez mais, e ele sofria quando não podia, por um motivo ou outro, admirá-la. Um dia, relaxou demais e cochilou. O dvd não estava programado para repetir e mostrou as cenas de outras exposições. Quando Leonardo acordou, a televisão exibia os créditos pelas obras. Ele se sentou e coçou os olhos, que se acostumaram justamente no momento em que as informações referentes a "A mulher que lê" (era o título do vídeo). Era estranho que, apesar de ter visto tantas vezes a cena, Leonardo nunca pensou em quem afinal fez a obra de arte ou quem era, afinal a mulher que amava. Agora estava tudo ali, escrito na frente dele. Ele pausou o filme e descobriu perdido nas informações o telefone para contato do artista, pensando que, se conversasse com ele, descobriria algo sobre a amada.

No dia seguinte, pouco depois do almoço, Leonardo reuniu coragem e ligou para ele. Quando atendeu, explicou quem era e o que queria, de maneira cordial. Disse que assistira a "A mulher que lê" e, por ter gostado da obra, gostaria de saber um pouco mais sobre a mulher que ela retratava.

- Ah sim – respondeu o artista, do outro lado do telefone – ela é minha esposa.

Leonardo desligou o telefone e caminhou para a janela do apartamento. Então se jogou.

Meta: Quem adivinhar quem é a mulher do texto e qual foi o sentimento que o motivou ganha um beijo na boca. Promoção não-válida para a Ari, a Mari, o Robson e o Tex.

Um comentário:

Importuna disse...

shuahsuahushau

eu sei, eu sei
=P

=****

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