2008/03/03

A última noite

Eu não acreditei quando me disseram que meu bar favorito ia fechar, não mesmo! E agora, para onde eu vou quando tiver que sair a noite? Onde eu vou conversar assuntos de verdade com pessoas de verdade? Sim, porque no lugar que eu freqüento só tem gente de nível. Não é como no outro lado da rua onde as pessoas só falam de modinhas e querem aparecer. Essas me dão nojo!

De qualquer forma, liguei para as meninas e combinamos de nos encontrarmos lá, para nos despedirmos. Hoje é o último dia, sabe? Vamos lá para dizer adeus. Antes de sair, coloquei meu All Star velho e sai de casa. No início, tive medo de sujar ele com poeira, ai pensei melhor e cheguei à conclusão que qualquer poeira de lá é mais que bem vinda. De qualquer forma, agora me lembrei que a primeira vez que fui lá foi com esse All Star, faz o que? Uns dois anos, no máximo, mas já sou da galera antiga. É difícil encontrar alguém que passe mais tempo lá do que eu. Na verdade, depois que a minha turma descobriu o bar, dizem que a clientela aumentou bastante. E para melhor, posso garantir. Às vezes aparece um pessoal mais estranho, que não usa All Star e tem um aspecto meio sujo, mas, quando isso acontece, eles normalmente resmungam um pouco e vão embora.

Quando chegamos, quis sentar-me à mesa de sempre, a de mármore. Desde a primeira vez que fui lá aquelas mesas me chamaram a atenção. Geralmente eu sento perto do banheiro, que é longe da porta e dá pra ver o pessoal, além de ficar longe da cozinha, assim meu cabelo não fica com cheiro de fritura. O que não é uma grande vantagem, pois no geral saio de lá com cheiro de cigarro. Dessa vez, a mesa já estava ocupada, então sentei nas mesas hexagonais do outro lado. Elas parecem ser mais velhas, mas estão lá há tanto tempo quanto as do outro lado. Eu sei por que as vejo desde que descobri o bar.

Naquela noite, por mais estranho que fosse, o bar estava quase vazio. Tanto nas mesas quanto na calçada, onde o pessoal que é quase tão das antigas quanto eu fica bebendo cerveja. Mas lá fora é normal, porque está chovendo. Passou uma meia hora e duas cervejas desde que nós chegamos (não somos bêbadas! É que estávamos em seis!) para outras pessoas aparecerem. Eram quatro guris, um mais lindo que o outro! Como mesa do nosso lado era a única vazia, foi lá que eles se sentaram. O mais gato deles, alias, ficou ao meu lado.

Não demorou muito para começarmos a trocar olhares. Não que eu seja atirada assim, mas é que valia mesmo a pena. Em alguns minutos começamos a conversar, e eu descobri que ele não era qualquer um. Por exemplo, ele gostava muito do Bukowski, que é meu escritor favorito. Sem falar que curtia Kubrick. Dane-se o Spielberg, ainda mais depois do que ele fez com I.A. O melhor diretor de cinema que o mundo já viu é o Kubrick. Por falar nisso, Laranja Mecânica é o meu filme favorito. No final, acho que já estava me apaixonando por ele. Claro que as coisas não eram tão perfeitas assim. A primeira indireta veio de repente:

- Eu nem gosto daqui, só vim por que no outro lado está lotado –, disse ele, mas eu nem percebi, de tão fascinada que estava. Continuamos conversando até que criou um clima legal. Eu já me preparava para beijá-lo, assim mesmo, de supetão, quando ele se levantou. Me assustei, pensei que ele não me quisesse mais (muitos agem assim quando vêem que eu tenho uma bagagem cultural maior do que a deles – é difícil para alguns homens aceitarem que eu sou mais do que um corpinho bonito) mas, quando ele disse que só ia no banheiro e já voltava, respirei aliviada. Enquanto ele caminhava, de costas pra mim, fui observando seu jeito pela primeira vez: como o quadril se mexia, a posição da cabeça, as pernas se adaptando ao jeito do... sapato?

Meu coração começou a bater mais rápido. Levantei-me e corri em direção a ele, o segurei pelo braço. Virei-o de frente a mim, segurando pela camiseta. Aproximei meu rosto ao dele e, com os olhos vermelhos segurando as lágrimas, perguntei:

- Gosta de Beatles?
- Não, detesto.
Foi a gota d’água. Nunca mais nos falamos.

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