2007/09/02

A nova dimensão

Foto: João Vicente Kurtz/MBB
Escritor e funcionário público, Júlio Pérez não hesitou em bater de frente contra a Jornada de Literatura

Um senhor alto e calvo adentrou calmamente no Circo da Cultura na noite de quinta-feira. Ele se dirigiu até a praça de alimentação, mas não foi lá para comer, nem para comprar imóveis (o que, se tivesse feito, seria pessoa mais deslocada do recinto). Acompanhado de um amigo, carregou uma mesa e uma cadeira até o outro lado, na entrada do pavilhão onde estão expostas as gravuras de Paulo Caruzo que mostram os autores que já estiveram na JornadaONacional de Literatura em outras edições. Uma vez pronta a estrutura, abriu uma pasta e de lá tirou vários exemplares de um livro. Decorada com relógios, a capa do Expresso instante também estampava o nome de seu autor: Júlio Cesar Pérez. Antes de se sentar, o funcionário público arriscou uma última ousadia: pendurou atrás de si um cartaz pequeno, com apenas duas palavras, mas que diziam muitas coisas: “autor local”. Com o cenário pronto, Pérez se sentou e começou sua batalha solitária contra o formato da Jornada. Mesmo acuado pela organização, não se rendeu e fez valer seu gesto, não só pelos exemplares vendidos. De sua fortaleza improvisada, protegido apenas pela ousadia e pelos amigos que o apoiavam, Pérez concedeu uma pequena entrevista aos meninos do Periódico Central.


Meu Blog Bobo: O que o senhor está fazendo aqui?
Júlio Pérez: Esse é um protesto pela falta de consideração da Jornada de Literatura com os autores locais e regionais. Nós batalhamos pela Literatura e, no entanto, em um evento dessa grandeza, não somos chamados nem é reservado um espaço para o autor local, além de outras críticas. Eu, de maneira nenhuma, quero tirar o mérito da Jornada, que acresce Passo Fundo, colocando a cidade na mídia. Mas, ao mesmo tempo em que se dá atenção ao evento em âmbito nacional e internacional, deve-se voltar ao autor local, ao que se produz na região. Já dizia Tchecov: “se quiseres ser universal, canta tua aldeia”. São 26 anos de Jornada de Literatura e eu gostaria de questionar os organizadores sobre qual escritor a Jornada pode se orgulhar de ter gerado. Qual o escritor que diz “a Jornada me inspirou a ser o que eu sou”? Leitores pode ter gerado. Leitores, mas escritor, que faz e produz arte... Então, eu estou aqui numa iniciativa pessoal. Convidei outros autores, mas por uma razão ou outra eles não tiveram a coragem de estar aqui. Não os desmereço nem os tiro a razão. Inclusive, um deles é professor universitário e até tenta imprimir seus livros pela editora da UPF, mas não tem apoio, só mediante pagamento, então...

MBB: O senhor escreve poesia?
JP: Eu escrevo poesia, mas também estou me abrindo para prosa. A poesia tem um mercado difícil e estou com um romance pronto, que já está com o editor.

MBB: É o seu primeiro livro?
JP: Sim, mas eu também tenho um blog onde divulgo as novas produções, poemas e contos. É lamentável que um evento dessa grandeza não se volte nem estimule o autor, reservando um pequeno espaço para os autores autografarem. A própria Academia Passofundense de Letras não está aqui. A pergunta que eu faço é: não existe afinidade entre eles e a Jornada de Literatura? Um dos motivos para a não liberação dos recursos da LIC foi a não liberação de uma cota de ingressos ou de ingressos subsidiados. Outra coisa: ou você se inscreve em toda a Jornada ou não se inscreve em nada, você fica excluído. Por que não dividir as palestras de forma que as pessoas possam comprar ingressos para aquelas que lhes interessam? O que está acontecendo com a Jornada? Ela está se transformando em um evento de professores, escritores, alunos e leitores, está ficando um negócio masturbatório, sabe. Pô gente, vamos trazer gente de fora! Escritor tem que ser do meio acadêmico? Tem que ser gente de fora, exclusivamente? Eu acho que não! O escritor tem que ser de fora dos muros da academia! Tragam gente de fora! Eu, por exemplo, sou funcionário público, não tenho o ponto liberado como um professor e não posso assistir às palestras durante o dia. E muitos professores que estão aqui, sem desmerecer a classe, estão só pelo certificado, pela pontuação. Fica a questão no ar. O que a gente queria, em relação ao prêmio, é que se categorizasse, com categorias como autor local, autor regional, crônicas, dando a oportunidade de outros tipos de literatura a concorrerem ao prêmio, ao reconhecimento pelo trabalho. Aí dão R$ 100 mil ao Chico Buarque. O que ele tem a ver com Passo Fundo? O cara pega o prêmio, vai embora, não deixa nada pra cidade, enquanto aqui tem muitos que estão batalhando pela cultura local. Posso citar Paulo Monteiro, onde está ele? Onde está o reconhecimento pelos lutadores desta cidade, a Capital Nacional da Literatura?

MBB: Como foi publicar a primeira obra?
JP: Foi uma emoção muito grande. A primeira obra é um divisor de águas, eu me sinto mais motivado a continuar produzindo e criando. Com a publicação, eu deixei para trás uma etapa. Eu precisava criar novamente, para o segundo livro, o terceiro. A primeira obra tem importância porque você tira os guardados da gaveta e dá ao público. Esse que é o legal: você sente a coisa começar a acontecer e isso motiva a continuar produzindo.

MBB: Qual foi o caminho até a publicação?
JP: Eu batalhei muito, tanto é que a primeira publicação foi bancada pelo meu próprio bolso. Eu tive um processo de amadurecimento muito grande, até sentir que estava pronto para publicar. Também é um desafio você sentir que está pronto para a primeira publicação, para dar ao público aquilo que você produziu até o momento.

MBB: Sobre o que são as obras? Qual a inspiração delas?
JP: Tenho muita afinidade com o existencialismo, sobretudo Kafka. Sou apaixonado por Kafka, Sartre. Procuro, na poesia, escrever de forma que o leitor entenda e perca o medo dela. Minha tentativa é convidar o leitor a se aproximar e entrar no poema. Depois que ele está lá dentro, bem, aí eu tenho as minhas surpresas. A primeira parte é o convite, o poema que começa de uma forma simples, no estilo Manoel Bandeira e outro poetas, como João Cabral de Melo Neto, porém sem o hermetismo que Carlos Drummond de Andrade tem em alguns poemas.

MBB: Como foi a decisão de se aventurar no mundo das letras?
JP: Há muito tempo eu despertei para a literatura. Inicialmente, com o gosto pela leitura, que me fez descobrir esse universo. Posteriormente descobri que o meu gosto literário tinha melhorado e comecei a sentir que eu tinha condições de produzir e criar. Eu costumo dizer que criar, escrever, na verdade, é ler por dentro, uma outra etapa. Eu incito os leitores que não se sentem encorajados: escrevam, pensem, ousem escrever! Vocês vão descobrir uma nova dimensão dentro da leitura. Abre-se um mundo, mas além desse mundo, há algo mais: há a criação.

2 comentários:

Poeta Passo Fundo disse...

Oh, João,fiquei bem na foto. Obrigadão mesmo por ter registrado esse meu momento lá na jornada. Vou divulgar para os amigos e conhecidos. Só gostaria de saber: aquela entrevista que eu dei para o magrão que disse que era para um site do Rio. Tu tens o endereço desse site.
Um abraço
Júlio

PS: dá uma olhada no link do meu blog. Tá com problema. Não tá entrando.

Felipe Portela disse...

meu vizinho!!!

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