2009/02/11

Jogo de palavras

Aviso: Esta é uma história totalmente infame, para ler ouvindo Belchior - Hora do almoço.

Quando era criança, o sonho do garoto era ser marinheiro. Por algum motivo, entretanto, foi rejeitado (e, se prestasse atenção nas aulas de biologia, saberia que "bissomia do cromossomo 21" era apenas uma desculpa esfarrapada).

Na escola, ele costumava se sentar perto da janela, para poder ver o mar. Assistiu, diversas vezes, o mar levando as folhas embora, o mar subindo, o mar descendo. Um dia, enquanto descia as escadas, esbarrou em o mar:

- Olha por onde anda, guri! – respondeu Omar, o jardineiro da escola. Foi desta forma que o garoto perdeu um de seus grandes heróis de infância.

Não passou no vestibular. Não fez cursinho. Aos dezenove, arranjou emprego como garçom. Começou a trabalhar no Restaurante do Mirante, um lugar que, além de ser uma cacofonia, era a única churrascaria da cidade. O dono do restaurante (que, por ironia do destino, também se chamava Omar) foi diversas vezes aconselhado a mudar o nome do estabelecimento, mas, por um pouco de vaidade, recusou a idéia.

O nome, alias, era dedicado a localização do restaurante: ficava perto da praia, onde havia um mirante. O mirante, construído na época do Império, era pouco freqüentado por ser considerado assombrado. Ainda assim, corriam soltos boatos de homens se encontrando durante a noite para rituais de pouca, ou mesmo nenhuma, moralidade.

Um dia, Omar (o patrão) anunciou a todos para se prepararem para receber um ilustre freguês. O único cidadão da cidade que, anos atrás, foi admitido na marinha nacional. Ele passaria pela cidade em seu navio e faria uma visita. Antigo freguês do Mirante (tanto o restaurante como o local), o marinheiro já havia confirmado onde teria o prazer de almoçar.

O garoto, que há muito era fã do marinheiro, naquele dia não conseguia parar de pensar no almoço. E, quanto mais o meio dia se aproximava, mais ele se posicionava perto da porta, na esperança de ser o garçom que atenderia o marinheiro. Quando ele finalmente surgiu por entre as portas, o garoto se aproximou e, gaguejando, perguntou:

- A-almoço?

- Para você é Almirante Moço!

E o garoto foi, e nunca mais voltou.

Um comentário:

Anônimo disse...

"e nunca mais voltou.". Deixou saudades, mas disto, você sabe.

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